4/02/2007


O mandato é meu: a (in)fidelidade partidária

Embora na prática a decisão do TSE não tenha força de lei, a entidade compartilha de um antigo desejo da opinião pública, de que o mandato não é mercadoria e deve obedecer a lealdade partidária. Para TSE mandato não pertence ao mandatário,certamente o dia 27 de março de 2007 entrará para a história do Tribunal Superior Eleitoral como o dia em que uma das mais antigas, arraigadas e consistentes interpretações da lei eleitoral foi alterada – e para o bem!Até esta data, vigia a interpretação de que o mandato parlamentar pertencia ao mandatário – ou seja, ao deputado – que de posse dele, poderia mudar de partido quantas vezes quisesse. Na prática, embora nenhum eleitor assim endossasse, o mandato tornou-se moeda de troca no dia-a-dia político.Certo ou errado, o fato é que até ontem ninguém ousava alterar essa interpretação, com medo da repercussão social que esta provocaria. Isso porque, se o mandato não é do mandatário, então ele pertence ao partido!

E quem confia nos partidos?

Aliás, se alguma pesquisa fosse realizada inquirindo o eleitor qual o partido do parlamentar que você votou? qual seria o índice de acerto? Certamente que o erro seria assustadoramente alto. Disso se conclui que o eleitor efetivamente opta não pelo partido, mas pelo mandatário, a quem delega a fração representativa que lhe pertence da soberania popular.Depois, nessa interpretação havia forte influência do direito privado, em que o mandato pertence ao mandatário, tal como funciona ao conceder a alguém uma procuração, em que concedemos poder diretamente ao mandatário! Por último, a própria Constituição brasileira excluiu do rol dos casos de perda do mandato parlamentar previstos no art. 55, a hipótese da infidelidade partidária, rol este que se considera exaustivo e não explicativo, do que se conclui que não havendo previsão não pode ser instituído sem alteração constitucional. Para o TSE, no entanto, estes não são obstáculos intransponíveis. Isso porque a Constituição Federal claramente instituiu um sistema representativo partidário, em que é a agremiação o cerne central do regime político. Afinal, é o partido quem define quem concorre ou não; é nele que o candidato deve estar filiado, e, principalmente, é através da soma de todos os votos conferidos aos candidatos do partido, eleitos ou não, que é definido o cociente partidário.Ora, o fato concreto é que, na maioria dos casos, um parlamentar não atinge o número de votos necessários para, sozinho, eleger-se. Ele se elege, essencialmente, por ser o primeiro colocado de uma agremiação em que são somados todos os votos dos demais candidatos. Trata-se de um trabalho de equipe, de time, de partido, não sendo correto que, após a eleição, o mandatário leve com ele os votos que recebeu conjuntamente com os demais candidatos na eleição.Moralmente, a decisão também satisfaz um antigo desejo já consagrado na opinião pública, de que o mandato não é mercadoria e deve obedecer a lealdade partidária.

O que pode ocorrer na prática?

Na prática, a decisão do TSE não tem força de lei, tampouco força de sentença, já que analisou um caso em tese e não caso concreto, numa consulta que lhe fora formulada. Quer isso dizer que o TSE apenas declarou qual é sua opinião sobre o caso, na interpretação constitucional e normativa da fidelidade partidária.Em sendo assim, o partido cujo parlamentar praticou a infidelidade partidária, terá de requerer ao parlamento competente a nomeação do suplente. Se o parlamento recusar, terá o partido uma coação ilegítima, passível de mandado de segurança. A matéria, portanto, ainda depende de muitos acontecimentos incertos e futuros. O primeiro passo já foi dado, resta aguardar os próximos capítulos.
Ricardo Ferraz

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