2/17/2011






Por: Marcone Formiga

Em 1820, o Brasil começou a defender as ideias liberais e republicanas, com o apoio dos jornais e panfletos que circulavam em Portugal e por aqui, em pleno governo de D. Pedro I, que resolveu impedir sua circulação, mas perdeu tempo com essa iniciativa. Uma crise política acarretou o fim do Primeiro Reinado, que estimulou ainda mais a divulgação dos ideais, abrindo um caminho que, futuramente, seria decisivo para o respeito aos direitos políticos da mulher. Com isso, elas passariam a ter o direito de votar e também de ser eleitas. Tal mudança de mentalidade só foi propiciada após um longo e acidentado percurso depois da implantação da República.

O voto feminino só foi legalizado após a promulgação do Código Eleitoral Provisório, em 24 de fevereiro de 1932, que permitia que apenas mulheres casadas, com autorização dos respectivos maridos, poderiam ter esse direito, estendido também às viúvas e solteiras com renda própria. No dia três de maio de 1933, a médica paulista Carlota Pereira Queiroz entrou para a história como a primeira mulher a votar e ser eleita deputada federal, participando ainda da Assembleia Nacional Constituinte, entre 1934 e 1935. Depois dela, em 1979, a suplente Eunice Michiles (PDS-AM) substituiu o senador João Bosco de Lima, que faleceu no decorrer do mandato. Roseana Sarney (PFL-MA), em 1994, foi a primeira senadora eleita no país.

Hoje, nada menos do que 12 senadoras estão ocupando lugares no Senado Federal. O avanço das mulheres que conquistaram seu espaço no Congresso Nacional, nas duas Casas legislativas, pode ser refletido na eleição da presidente Dilma Rousseff (PT), a primeira no comando do Palácio do Planalto.

A jornalista e hoje senadora Ana Amélia Lemos (PP), gaúcha de Lagoa Vermelha (RS), consagrada no seu estado e no país inteiro, conquistou o seu primeiro mandato e comenta nesta entrevista, concedida a Brasília Em Dia, que ela defende cada vez mais a participação feminina na vida pública brasileira.

Com tanta presença das mulheres, o Clube do Bolinha foi implodido. Depois de tanto insistirem que “meninas não entram” em um espaço tradicional e historicamente reservado aos homens, eles agora presenciam a força feminina se estabelecendo no poder e fundando o Clube da Luluzinha em Brasília.

- Uma garota que, aos nove anos de idade, andava descalça no frio para entregar leite na vizinhança hoje é senadora da República. Como foi essa trajetória?

- A minha história é a mesma de milhares de gaúchos e brasileiros que, não tendo nascido em berço de ouro, tiveram que lutar pela sobrevivência e por seu espaço na vida. A minha trajetória me orgulha muito, porque observo que as pessoas reconhecem neste processo uma pessoa que tem coragem, que enfrenta desafios e que faz as coisas que devem ser feitas. É claro que muitas vezes errei, mas eu sempre prefiro errar por ter feito a errar por não ter feito.

- Mas aos nove anos...

- Ao longo da minha vida foi assim. Aos nove anos, um detalhe talvez mais interessante seja o fato não só de entregar leite na vizinhança, de pés descalços nos dias frios, porque não tinha calçado para usar, mas um fato que ocorreu nesta mesma época, em um dia de julho de 1954. Nessa data, uma senhora chegou até Lagoa Vermelha, o povoado onde eu morava, e eu fiquei impressionada com ela. Nunca tinha visto uma senhora tão elegante, tão bem vestida. Meu cabelo era completamente loiro, por minha origem italiana. Ela perguntou o meu nome e eu lhe disse: “Meu nome é Ana Amélia”. Então, ela me indagou: “Você não quer morar comigo, para estudar e ser minha dama de companhia?”.

- Decidiu pensar para responder?

- Eu lhe respondi: “Quero sim!”. Depois, eu lhe falei: “A senhora vai até aquela casa lá da vila, na ponta, e fale com meu pai, minha mãe e meu avô que eu vou morar com a senhora”. Meu avô era ferreiro. Eu só tinha nove anos de idade e não havia começado a estudar, ainda. Essa decisão é uma coisa que estava escrita, porque na vida você tem que fazer as coisas. E eu me impressiono hoje, porque eu faço, vou fazendo e, depois, eu olho - estou sentada aqui no Senado e penso: “Como eu cheguei até aqui?”.

- Como a senhora vê tudo isso?

- De vez em quando, a ficha não cai ou cai e eu fico assustada, porque é um desafio muito grande. Neste particular, acho que a vida da gente sempre te questiona a tua capacidade de decidir. E, assim, eu fui morar com ela durante quatro anos, exatamente no ano do suicídio de Getulio Vargas, 1954. Porto Alegre estava sob o impacto daquele grande tumulto. E eu, sem entender muito o que estava acontecendo, via o desespero, mas não entendia... Dona Rosita, que é como se chamava essa senhora, me deu um tratamento de filha. Estudei em um colégio público, um grupo escolar da época que ficava perto do edifício onde ela morava e que na oportunidade se tornava também meu lar. Ficávamos no último andar de um edifício de oito andares, com elevador, eu nem poderia imaginar antes o que era. Duas semanas depois, eu já tinha me aclimatado, porque parecia que eu sempre tinha morado lá. O prédio ficava na Avenida Independência, que na época era a mais movimentada, a mais charmosa de Porto Alegre, tendo vindo eu da minha vila, que não tinha energia elétrica, calçamento, que mais parecia um daqueles povoados de faroeste, onde os cavalos ficavam amarrados em um travessão, era exatamente aquilo. Já em Porto Alegre, conheci os bondes e toda a vida dinâmica da cidade grande.

- Como era dona Rosita?

- Muito generosa! Estudei em dois colégios públicos. Ela tinha uma casa em Torres, e foi assim que fui conhecer a praia. Havia ainda um ambiente de convivência de amigos dela, que eram pessoas de classe média alta de Porto Alegre e de Cachoeira do Sul. Mas, aí, já com 12, 13 anos, fiquei com complexo: minha família vivia no interior, com as maiores dificuldades, e eu desfrutando daquela condição de vida melhor. Então, resolvi voltar para Lagoa Vermelha, e foi bem numa época de transição, porque eu estava concluindo o curso primário e fiquei naquele dilema. Só havia uma escola para eu continuar os estudos, e eu já achava, naquela época, que o grande patrimônio com o qual eu poderia contar era a educação... Sempre! Fiquei em dúvida, porque minha família não tinha condições. Sou a mais velha de nove filhos. Então, me surgiu uma ideia, porque eu ouvia sempre às sextas-feiras o Leonel Brizola falar na Rádio Farroupilha, e ele falava muito em educação. Minha família era do PL, Partido Libertador, mas eu não tinha a mínima ideia do que era aquilo, nada. Só sabia que eu tinha que estudar.

- E então? O que aconteceu?

- Em 1959, o Brizola candidatou-se a governador do Rio Grande e venceu as eleições, e eu mandei uma carta para ele, sem minha família saber. Arranquei uma folha do meio do caderno, porque não havia espiral na época, e escrevi para ele, contando que tinha 12 anos, que era filha de família pobre e que eu queria uma bolsa interna para o ginásio Rainha da Paz, que era a única escola em que eu podia estudar na época, particular, para o meu nível. Não havia mais outra escola pública em Lagoa Vermelha para mim.

- Ele respondeu a carta?

- Para a minha surpresa, dois meses depois, recebi uma carta, que me informava sobre a concessão da bolsa de estudos interna para o ginásio. A minha família morando lá, perto de mim, mas mesmo assim eu fui para o internato. Fiquei oito anos interna nesse colégio. Foi maravilhoso! Fiz o ginásio e o curso normal. Então, devo ao Brizola essa “segunda mão” que eu recebi. A primeira foi a da dona Rosita. Assim, eu consegui fazer todo esse meu segundo estágio da escolaridade com bom desempenho. Quando terminei, eu achava que queria fazer serviço social.

- Por quê?

- Eu achava que eu era muito envolvida com as questões sociais, porque ajudava as irmãs, nós participávamos de grupos de ajuda, de apoio. Nesse meio tempo, eu tinha conseguido um trabalho: as irmãs permitiram que eu saísse do trabalho de noite e voltasse para trabalhar em um ginásio que havia sido aberto em Lagoa Vermelha, que ficava bem em frente à escola onde eu estudava. Eu ia à noite para ser auxiliar de disciplina, porque consegui esse emprego, e eu pedi transferência desse trabalho para Porto Alegre, para poder fazer faculdade. As irmãs me concederam isso e eu fui.

- Foi morar só?

- Eu me instalei em uma pensão, fiz o vestibular, só que para serviço social era exigido o teste psicológico, que era eliminatório. Fui reprovada no exame, que era um teste de avaliação subjetiva. Fiquei muito frustrada com aquilo, mas não a ponto de me abater para desistir de tudo. Pelo contrário: o que eu poderia fazer que tinha afinidade com isso? Direito, justiça. Mas Direito tinha latim, que eu não dominava muito. Pensei, então, em fazer Comunicação Social. Aí, fiz, passei bem, consegui uma bolsa de estudos da Assembleia Legislativa e, assim, fiz o curso de Jornalismo na PUC. E não parei de trabalhar...

- O jornalismo é uma escola para a política?

- É irmão siamês, porque a liberdade de expressão é tudo... Na verdade, o meu contato via mídia com a população do meu estado evidentemente facilitou muito o meu projeto político, porque eu estava sendo muito conhecida, todos os dias, nos horários nobres da televisão no Rio Grande do Sul, aparecendo no vídeo na emissora de maior audiência. Estava também nos horários nobres do rádio e tinha uma coluna no jornal. Aí, o eleitor deve ter pensado que eu tenha sido, ao longo de 33 anos na mesma empresa, e 31 vivendo em Brasília, uma espécie de advogada das causas do Rio Grande em Brasília. Costumo dizer que eu colhi na política o que eu plantei na comunicação.

- Antes, a política era uma espécie de “Clube do Bolinha”, onde mulher não entrava. Hoje, temos até presidente mulher, ministras e senadoras. Como a senhora vê isso?

- Eu já te dou exemplo até no próprio jornalismo. Eu, quando cheguei aqui em 1979, a maior parte dos profissionais na área da cobertura política e da economia era composta por homens. Quando eu fiz a faculdade, em Porto Alegre, 90% eram homens. Hoje, é o inverso. E a mesma coisa é na cobertura política e na econômica: os grandes colunistas do Brasil são mulheres! Não é só na política: a mulher no Brasil me parece que despertou para o seu talento e para sua capacidade. Ela deixou de achar que a independência era o casamento, pelo contrário. A mulher só é independente quando pode dispor do seu salário e do seu trabalho. Essa é a hora em que ela se torna independente. No mais, ela não é subordinada à família ou ao marido.

- Mas a senhora fala sobre qual segmento social?

- Estou falando da média da sociedade brasileira. Fico muito feliz, como mulher, de a Dilma ter assumido, e até este momento eu tenho ouvido muitas referências boas sobre ela. Inclusive, o Nelson Motta, do Jornal “O Globo”, fez um comentário muito interessante na semana passada, que dizia: “que bom que temos uma presidente que é discreta, que fala na hora certa, diz as coisas que a gente gostaria de ouvir, tem seriedade, uma conduta exemplar”. Isso me deixa muito feliz, no sentido de que o Brasil está sendo conduzido pelas mãos de uma mulher competente, habilitada, séria, discreta. Ela está fazendo bem o seu papel. E o ministério da presidente Dilma está sendo também valorizado com mulheres de muita competência, muita seriedade, e dá uma envergadura de grande valorização de gênero para as mulheres. No próprio Senado, somos 12 senadoras mulheres, e é até um número interessante.

- O que diferencia o Lula da presidente Dilma?

- O presidente Lula tinha aquela vocação sindical, o assembleísmo, a questão política, que ele desenvolveu com grande talento, mas às vezes escorregava pela incontinência verbal... Quem fala demais às vezes dá bom dia a cavalo, ditado que se diz muito no Sul. A presidente Dilma mede o que fala. As duas mensagens que ela apresentou no dia de sua posse foram extremamente adequadas e profundas.

- Mas muita gente vê um contraponto entre a presidente Dilma e o seu antecessor. Como a senhora vê Dilma? Ela tem um estilo oposto?

- Quando ela veio ao Congresso Nacional para ler a mensagem que marca o início da legislatura, Dilma foi muito aplaudida, com uma compostura e um desempenho bem elogiados por senadores e deputados. Descontraída, até fez brincadeira, porque quando ela fez referência à necessidade da reforma política, a plateia que estava ali superlotando o plenário aplaudiu, e aí ela disse que iria repetir, para ser aplaudida de novo. Sorriu e fez uma brincadeira absolutamente adequada ao ambiente. Ela soube pragmaticamente tirar proveito daquilo, e logo na Casa onde está querendo que haja a reforma política.

- Sim, mas qual é a diferença dela em relação ao estilo Lula de ser?

- Em relação ao Lula, a diferença é esta: ela é uma gestora de qualidade, com os compromissos políticos que ela assumiu na campanha e com a desenvoltura que ela aprendeu a desempenhar ao longo de sua trajetória política e nos palanques. Ela se completou neste exercício, e eu acho que, na convivência com o Lula, a presidente aproveitou muito as lições que teve com o professor, as coisas boas que o Lula aprendeu, digamos assim, deixou de lado os excessos que o Lula cometeu.

- Por exemplo.

- Um deles foi a atitude que Lula teve em relação a José Serra no episódio da agressão que ele sofreu no Rio de Janeiro. A forma como ele, um presidente da República, um estadista, agiu em relação a um adversário político foi desrespeitosa tanto com os eleitores do Serra quanto com a população brasileira, que é ordeira, harmoniosa e respeita os adversários políticos.

- Lula extrapolou?

- Ele perdeu a compostura necessária a um chefe de Estado, um líder, com uma popularidade de mais de 80%, naquele cenário político brasileiro. Mas, convenhamos, o Lula teve grandes qualidades, pela história dele, um operário chegar aonde ele chegou, oito anos de mandato... Digamos que ele realizou o sonho brasileiro de um operário chegar à Presidência da Republica, e toda a classe operária gostou disso.

- Fez tudo certinho?

- Não. Algumas políticas públicas implementadas por ele precisam de correções, como a própria presidente está fazendo agora. Temos que avaliar a inclusão real das pessoas que hoje estão no Bolsa Família, que não podem depender eternamente desse benefício, porque elas têm que receber esse apoio, mas devem ter, sobretudo, o direito à inclusão social, com emprego, qualificação e capacitação. Em muitos setores da economia brasileira, qual é a reclamação? Falta mão de obra qualificada. É por aí que o tema tem que ser trabalhado. Deve-se evitar que essa política se torne um ganho que acabe prejudicando por não permitir que o beneficiado tenha a sua verdadeira inclusão social.

- Qual é o seu conceito sobre Lula?

- Ele não é um fenômeno! O sucesso de Lula é creditado ao seu talento e à sua capacidade. Mas ele exagerou na dose, naquela ansiedade de falar na brincadeira, porque acho que só ele poderia ter feito as coisas que fez. Ou seja, ele deu uma contribuição muito grande ao país, mas deixou muito por fazer, e aí eu acho que a gente tem que cobrar. Ele tinha condições de fazer alterações na legislação eleitoral, até porque tinha maioria no Congresso Nacional. Acho que não dá mais para ficar esperando a reforma política, a questão da própria reforma tributária...

- O que a senhora lamenta nesse sentido?

- É justo que hoje a União fique com 70% de tudo o que é arrecadado, sendo que os estados e municípios ficam com 30%? Quando falo dos municípios, falo dos bons gestores, e não dos que cometem irregularidades, crimes, coisas condenáveis, mas daqueles que desempenham corretamente a sua função. O prefeito hoje tem o controle do Ministério Público, exemplo do meu estado, onde os próprios moradores dos municípios, depois de denúncias, tiraram mandatos das câmaras de vereadores... Quem tem um controle sobre a atividade do prefeito, sabe onde ele mora, vai lá, bate na porta e exige, funcionando como um controle direto. E quando tudo é aplicado pela prefeitura, o retorno é muito maior para o morador do município.

- E quanto à União?

- Já a União é um ente distante, e as coisas lá são muito demoradas, com muita frequência surgem denúncias sobre isso, mas nas prefeituras, comparativamente ao que é feito, existem as ouvidorias, que fazem aquele sorteio, ou seja, o município é fiscalizado duplamente. Pelas ouvidorias, pelo Ministério Público, nos estados onde eles são eficientes, como no Rio Grande do Sul, o controle é muito maior. No Sul, existe um departamento que cuida especificamente das administrações municipais, os Tribunais de Conta dos estados são ótimos e fiscalizam junto com a população, que atua diretamente...

- O que se deveria fazer?

- Penso que distribuir melhor essa partilha seria uma atitude correta do ponto de vista institucional, social e político. A federação que nós temos hoje é um arremedo de Estado; em português bem claro, é uma federação capenga. A cada ano vem a Marcha dos Prefeitos, que estão de pires na mão a peregrinar pelos gabinetes... O que resulta é distorção em cima de distorção. E acontece que o Congresso, que deveria trabalhar, fica cuidando das emendas ao orçamento, polido pelas medidas provisórias, e assim a gente acaba fazendo um varejo de atendimento das demandas da população.

- O Brasil está melhor hoje do que há 10 anos atrás?

- Está melhor, sim, porque nós estamos com uma democracia mais consolidada, como se vê hoje aqui no Congresso Nacional. Um exemplo é o ex-presidente Fernando Collor, afastado pelo impeachment, que se relaciona muito bem hoje com o senador Lindberg Farias, líder da UNE na época, entidade que fez pressão popular para o afastamento de Collor do governo. O senador Fernando Collor chegou ao Congresso consagrado pelas urnas e está aqui com a legitimidade de um mandato embasado na vontade dos eleitores. Eu não questiono de que forma foi esse resultado. Temos que respeitar isso. O clima do país está diferente, até porque nós somos diferentes do que éramos há 10 anos. Nós amadurecemos, não criamos rugas impunemente. A gente piora na vitalidade física, mas ela melhora do ponto de vista da sua tolerância, da sua compreensão e paciência, em termos da própria relação com as pessoas e com tudo o mais.

- A corrupção continua uma praga no país...

- [Responde de pronto] A corrupção permanece assim porque a impunidade continua como um fermento que a alimenta e que a faz crescer. As denúncias de corrupção não têm consequências, porque os envolvidos ficam ricos e têm recursos para procrastinar a justiça. No caso da previdência social, aquilo tudo que a Jorgina de Freitas [ex-advogada e procuradora previdenciária condenada, em 1992, por desviar aproximadamente 310 milhões do INSS, dos quais apenas 82 milhões foram reavidos] roubou dos cofres públicos voltou para o erário?

- A corrupção no Brasil compensa, então?

- Sim, sem dúvida... É compensadora porque não tem punição, penalidade. Agora mesmo, R$ 500 milhões foram desviados da Funasa. Quem é que dá resposta para isso? Sabendo-se que as pessoas não têm hospitais nem leitos para internação, nessas coisas todas é que os órgãos estão falhando enormemente. O Poder Judiciário continua lento demais, o Tribunal de Contas tem atuado quando é mais provocado pela imprensa, quando a imprensa denuncia.

- Por que essas coisas não acontecem?

- O governo tem que implantar uma ouvidoria, mas quais são as consequências para os envolvidos quando as autoridades descobrem que está havendo alguma falcatrua? É muito necessário e urgente que as instituições assumam isso, pois não adianta discurso bonito, porque a população já está saturada disso. Noutro dia, um colega da imprensa me perguntou se, como jornalista, eu iria fiscalizar os senadores. Eu lhe respondi que não, porque tenho um mandato, que é definido em um artigo da Constituição, juntamente com minhas competências, com o que eu tenho de fazer. Aqui, eu não sou jornalista, sou senadora. Preciso cumprir a Constituição, e eu a respeito.

- O que a senhora poderá fazer como senadora para que garotas de nove anos não trabalhem descalças no frio?

- Repetiria tudo de novo. Andar de pés descalços não me fez nenhum mal. Aos nove anos, eu criava os meus brinquedos, porque minha família não tinha dinheiro. Pegava sabugo de milho e fazia chaleira, fazia cuia, porque isso é o hábito gaúcho. Das latas, fazia panelinhas... Fazia bonecas de pano com cabelos de pelego, que é a pele do cordeiro, ou com aquela barba do milho. Éramos criativos. Tenho saudades daquela época... Hoje, as crianças não têm isso, porque os brinquedos vêm todos prontos. Atualmente, a inteligência das crianças é diferente, é virtual, movida pelo computador. Elas têm uma agilidade diferente do que a gente tinha, mas acho que era muito mais humanizada a relação naquela época do que agora.

- Qual é a lição que fica?

- Tudo o que passei, os tapas que levei, nada disso me deixou qualquer sequela. Um dia, fui comprar farinha para fazer polenta e caí dentro de um buraco. Acabaram me puxando pela orelha, não por eu ter caído, mas por não ter cuidado devidamente da farinha. Isso ficou no meu inconsciente, uma coisa pitoresca da minha história, que também não me deixou nenhuma mágoa.

2/12/2011

Mulheres no poder: fortes contra o preconceito

Rio de Janeiro – Esta é a opinião da jornalista Patricia Politzer, sobre o comportamento a ser adotado pelas mulheres no poder. Da última década para cá a America do Sul viu presidentas como Michele Bachelet, no Chile, Cristina Kirchner, na Argentina, e agora Dilma Rousseff, no Brasil. A necessidade da força vem da cultura machista latino-americana e do fato das mulheres serem mais cobradas no poder, disse ela em entrevista a O Globo.

Antonio Carlos Ribeiro
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A trajetória de Bachelet, narrada no livro "Bachelet en Tierra de Hombres", é uma biografia não oficial que descreve sua atuação na gestão governamental. O tratamento dispensado pelos meios de comunicação ao casal Kirchner, ao presidente Lula e à candidata Dilma Rousseff na campanha variaram da agressão infame às “pegadinhas”, dos programas de domingo à tarde.

Dilma Rousseff visitou a Argentina semana passada. A imprensa elitista brasileira acha que ela vai mergulhar no poço do horrores, vai sentir o machismo, a discriminação, a cobrança, vai assustar-se e telefonar para Lula. Quem foi torturada e chegou à presidência conhece o abismo e a glória! A entrevista com Politzer já revela a distância entre profissionais com autonomia e os bem comportados, e controlados pelos editores.

A formalidade esconde uma ignorância estratégica. Fingir que não distingue em tratar mal o chefe de Estado e ser insistente, incisivo e até duro, em busca de uma resposta, tem outro efeito para o público. Transformar firmeza, senso de dever e determinação em teimosia não é apenas um absurdo, mas uma cegueira semelhante à das classes dominantes, que ao lutar contra o tempo e a realidade, ainda não perceberam que o poder lhes foi arrancado.

“Estive fora do Chile durante os primeiros seis meses do governo Bachelet. Quando voltei, me impressionei com a forma como a maltratavam. Isso vinha tanto de seus adversários políticos como de dirigentes de sua própria coalizão. Como jornalista e observadora da política chilena desde a década de 1970, nunca vi um tratamento tão absurdo e preconceituoso”, chocou-se Patrícia, até descobrir que o denominador comum era “uma cultura patriarcal que carregamos grudada na pele tanto de homens quanto de mulheres”.

Quando se consegue ver o preconceito como doença da percepção, se pode entender como a noção de grotesco, do teórico de comunicação Muniz Sodré, se torna categoria analítica. Ela narra que o jornal El Mercurio “criticava acidamente sua ministra da Saúde, Soledad Barría, por não ter pintado seus cabelos brancos para a cerimônia!” O mesmo aconteceu no Brasil quando artistas de um programa vespertino para mulheres, com preocupações estritamente cosméticas, criticavam o vestido, o cabelo e as unhas da primeira-dama na transmissão do cargo.

Tem razão Politzer. Há mulheres italianas defendendo Silvio Berlusconi, por não terem visto problema algum em fazer do governo um prostíbulo liderado por um pedófilo, com um discurso feminino caricatural. “Os homens nunca sofrem uma crítica dessa natureza, nem quando algum político se mostra incompetente, corrupto ou um ditador. Esta visão foi compartilhada por seus adversários e aliados”, lembrou a jornalista.

Ao denunciar que “o machismo segue forte em nossas sociedades de tal forma que o êxito das mulheres raras vezes se atribui a seu preparo ou a seus atributos. Busca-se insistentemente um homem, que geralmente é o responsável por sua ascensão e que a manipula para que seja bem sucedida”, a jornalista mostra a postura da presidenta. “Bachelet cuidou conscientemente de não ter nenhum homem poderoso próximo do círculo do poder”.

Ao perguntar se Dilma sofreria esse preconceito, o repórter não se deu conta que a resposta descreveria a principal acusação do seu opositor na campanha presidencial: não ter autonomia. “Dilma Rousseff está à sombra de um presidente muito bem sucedido e popular, como é Lula, assim como Bachelet esteve próxima de Ricardo Lagos. Terá que ser muito forte para suportar preconceitos e críticas que só se fundamentam no fato de ela ser mulher”.

Instigada, a analista começa a descrever a sociedade. “O poder, em qualquer de suas formas, continua sendo terra de homens. São poucas as mulheres no Parlamento, nas diretorias das empresas, nos altos cargos acadêmicos. Em qualquer círculo de poder, para que entre uma mulher deve sair um homem, e isso não é fácil. Michelle Bachelet abriu uma porta impensável há apenas dez anos. As chilenas já sabem que podemos chegar ao posto mais alto. Mas estamos muito longe da igualdade de gêneros” e a distância é o percentual da população que repete esses chavões.

À pergunta sobre um programa de valorização, profissionalização ou proteção à mulher, responde que “Bachelet esteve à frente de várias leis relacionadas à mulher, como o estabelecimento de igualdade de salários e a criminalização da violência contra a mulher, lei inclusive promulgada pelo presidente Sebastián Piñera. Mas a violência e a discriminação continuam”.

A firmeza de Michele foi considerada rigorosa contra os abusos da ditadura, sinédoque que atenua o morticínio e o horror dos anos 70. Será que Dilma vai abrir mão do direito das famílias aos seus mortos? A inadmissibilidade desse fato em qualquer sociedade decente levou o ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, a usar a expressão “erro jurídico e deformação histórica” para referir-se à decisão do Supremo Tribunal Federal.

A jornalista é clara e direta. “As violações aos direitos humanos continuam sendo uma ferida aberta para muitos cidadãos da América Latina. Ambas são parte dessa história dolorosa, e sua chegada ao poder constitui uma forma de reparação para milhares de vítimas”. Com Cristina Kirchner os responsável foram para a prisão.

Essas mulheres mostram o lado obscuro do preconceito, com o qual só se rompe quando se estabelece um conceito.




2/07/2011

Reformas

Votos de competitividade

Uma nova legislatura se inicia no Congresso Nacional. O momento é mais do que apropriado para nossos parlamentares assumirem um pacto em defesa da indústria brasileira. Isso requer, prioritariamente, a aprovação de medidas que tornem o Brasil mais competitivo e melhorem o ambiente de negócios. Essa é principal mensagem que o congresso deve trabalhar para transformar em fato.O setor produtivo brasileiro perde com a falta de uma infraestrutura adequada, com uma política tributária complexa e com uma legislação trabalhista arcaica. É preciso ainda reduzir a burocracia no setor público, dar eficiência aos gastos governamentais e, sobretudo, investir em educação. Um sistema educacional de qualidade gera mão de obra qualificada para indústria e oportunidades para toda população. Acreditamos que poderemos contar com nossos parlamentares.Precisamos mudar para sermos competitivos. Assim, desejamos boa sorte a todos os congressistas.