2/12/2011

Mulheres no poder: fortes contra o preconceito

Rio de Janeiro – Esta é a opinião da jornalista Patricia Politzer, sobre o comportamento a ser adotado pelas mulheres no poder. Da última década para cá a America do Sul viu presidentas como Michele Bachelet, no Chile, Cristina Kirchner, na Argentina, e agora Dilma Rousseff, no Brasil. A necessidade da força vem da cultura machista latino-americana e do fato das mulheres serem mais cobradas no poder, disse ela em entrevista a O Globo.

Antonio Carlos Ribeiro
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A trajetória de Bachelet, narrada no livro "Bachelet en Tierra de Hombres", é uma biografia não oficial que descreve sua atuação na gestão governamental. O tratamento dispensado pelos meios de comunicação ao casal Kirchner, ao presidente Lula e à candidata Dilma Rousseff na campanha variaram da agressão infame às “pegadinhas”, dos programas de domingo à tarde.

Dilma Rousseff visitou a Argentina semana passada. A imprensa elitista brasileira acha que ela vai mergulhar no poço do horrores, vai sentir o machismo, a discriminação, a cobrança, vai assustar-se e telefonar para Lula. Quem foi torturada e chegou à presidência conhece o abismo e a glória! A entrevista com Politzer já revela a distância entre profissionais com autonomia e os bem comportados, e controlados pelos editores.

A formalidade esconde uma ignorância estratégica. Fingir que não distingue em tratar mal o chefe de Estado e ser insistente, incisivo e até duro, em busca de uma resposta, tem outro efeito para o público. Transformar firmeza, senso de dever e determinação em teimosia não é apenas um absurdo, mas uma cegueira semelhante à das classes dominantes, que ao lutar contra o tempo e a realidade, ainda não perceberam que o poder lhes foi arrancado.

“Estive fora do Chile durante os primeiros seis meses do governo Bachelet. Quando voltei, me impressionei com a forma como a maltratavam. Isso vinha tanto de seus adversários políticos como de dirigentes de sua própria coalizão. Como jornalista e observadora da política chilena desde a década de 1970, nunca vi um tratamento tão absurdo e preconceituoso”, chocou-se Patrícia, até descobrir que o denominador comum era “uma cultura patriarcal que carregamos grudada na pele tanto de homens quanto de mulheres”.

Quando se consegue ver o preconceito como doença da percepção, se pode entender como a noção de grotesco, do teórico de comunicação Muniz Sodré, se torna categoria analítica. Ela narra que o jornal El Mercurio “criticava acidamente sua ministra da Saúde, Soledad Barría, por não ter pintado seus cabelos brancos para a cerimônia!” O mesmo aconteceu no Brasil quando artistas de um programa vespertino para mulheres, com preocupações estritamente cosméticas, criticavam o vestido, o cabelo e as unhas da primeira-dama na transmissão do cargo.

Tem razão Politzer. Há mulheres italianas defendendo Silvio Berlusconi, por não terem visto problema algum em fazer do governo um prostíbulo liderado por um pedófilo, com um discurso feminino caricatural. “Os homens nunca sofrem uma crítica dessa natureza, nem quando algum político se mostra incompetente, corrupto ou um ditador. Esta visão foi compartilhada por seus adversários e aliados”, lembrou a jornalista.

Ao denunciar que “o machismo segue forte em nossas sociedades de tal forma que o êxito das mulheres raras vezes se atribui a seu preparo ou a seus atributos. Busca-se insistentemente um homem, que geralmente é o responsável por sua ascensão e que a manipula para que seja bem sucedida”, a jornalista mostra a postura da presidenta. “Bachelet cuidou conscientemente de não ter nenhum homem poderoso próximo do círculo do poder”.

Ao perguntar se Dilma sofreria esse preconceito, o repórter não se deu conta que a resposta descreveria a principal acusação do seu opositor na campanha presidencial: não ter autonomia. “Dilma Rousseff está à sombra de um presidente muito bem sucedido e popular, como é Lula, assim como Bachelet esteve próxima de Ricardo Lagos. Terá que ser muito forte para suportar preconceitos e críticas que só se fundamentam no fato de ela ser mulher”.

Instigada, a analista começa a descrever a sociedade. “O poder, em qualquer de suas formas, continua sendo terra de homens. São poucas as mulheres no Parlamento, nas diretorias das empresas, nos altos cargos acadêmicos. Em qualquer círculo de poder, para que entre uma mulher deve sair um homem, e isso não é fácil. Michelle Bachelet abriu uma porta impensável há apenas dez anos. As chilenas já sabem que podemos chegar ao posto mais alto. Mas estamos muito longe da igualdade de gêneros” e a distância é o percentual da população que repete esses chavões.

À pergunta sobre um programa de valorização, profissionalização ou proteção à mulher, responde que “Bachelet esteve à frente de várias leis relacionadas à mulher, como o estabelecimento de igualdade de salários e a criminalização da violência contra a mulher, lei inclusive promulgada pelo presidente Sebastián Piñera. Mas a violência e a discriminação continuam”.

A firmeza de Michele foi considerada rigorosa contra os abusos da ditadura, sinédoque que atenua o morticínio e o horror dos anos 70. Será que Dilma vai abrir mão do direito das famílias aos seus mortos? A inadmissibilidade desse fato em qualquer sociedade decente levou o ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, a usar a expressão “erro jurídico e deformação histórica” para referir-se à decisão do Supremo Tribunal Federal.

A jornalista é clara e direta. “As violações aos direitos humanos continuam sendo uma ferida aberta para muitos cidadãos da América Latina. Ambas são parte dessa história dolorosa, e sua chegada ao poder constitui uma forma de reparação para milhares de vítimas”. Com Cristina Kirchner os responsável foram para a prisão.

Essas mulheres mostram o lado obscuro do preconceito, com o qual só se rompe quando se estabelece um conceito.




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